sexta-feira, 26 de abril de 2013

Cobras e Dentes

I

 

Sempre achei que o pensamento de cada um é que atrai tudo. Coisas boas, coisas ruins. Sinceramente, ainda penso. Mas em alguns momentos tenho certeza de que outras forças mentais ( ou espirituais) se unem e agem para te foder.

Então. Eu, já com a cabeça transtornada com diversos assuntos recorrentes do meu louco dia-a-dia. Uma delas, como sempre, a grana que nunca dá para o básico. Encontro-me na cama com minha namorada. Acordo com o despertador do celular dela. Como sempre, ela levanta ( as 5h40, é mole?), me beija e me deseja bom dia ( mesmo vendo que meu dia guarda na agenda muita coisa ruim). Se veste, e sai. Eu fico e tiro minha última soneca antes de levantar. Sempre neste cochilo final os sonhos são mais intensos. E sonho com cobras, serpentes, víboras. Sonhei com um velho que vivia em meio a cobras. Conseguia dominá-las e tudo. E eu era uma espécie de ajudante dele. No mesmo sonho, vi uma cobra gigante engolir uma mulher, e depois a mulher consegue cortar (com uma faca) a barriga da cobra e sair toda envolvida numa gosma gelatinosa.  Acordei transtornado. Tenho sonhos muito reais. Sonhar com cobras não é coisa muito boa (dizem os mais antigos). Mas, o meu conhecimento básico de psicanálise, me diz que este sonho não é de tão mal agouro assim. Mas, deixando este sonho de lado. Minha manhã já começou ruim, não só pelo sonho, mas porque um dos meus dentes, o que tinha um bloco antigo, resolveu quebrar. E eu já decidi não cuidar mais dele. Vou arrancá-lo, extraí-lo, tirá-lo da minha vida (que é o que eu faço com tudo o que não me serve mais). E isso me fez lembrar de uma coisa que sempre pensei. Que a partir dos quarenta o gráfico da existência começa a decair. Então, eu sempre estive certo. Vou perder meu primeiro dente. A primeira folha que cai, a primeira casca que se desprende. O primeiro galho que seca. É o ciclo da existência que segue sua naturalidade até o fim. Não fico triste. Na verdade, gosto de saber que estou seguindo o curso normal. Viver todas estas etapas da vida, é uma dádiva.

 

II

 

Continuando (dias depois do primeiro texto). Chegando ao consultório, a doutora tentou me convencer de que eu não deveria tirar o dente. Que ele ainda estava bom e que poderia salvá-lo. E eu, super decidido, apenas repetia, tire-o. Então, foi feito. Eu não me dou muito bem com anestesias. Acho que deve ser devido a minha pressão alta e metabolismo acelerado, sei lá (tudo muito intenso). Sei que foram aplicadas sete anestesias no geral. Chegamos ao ponto dela me dizer que não poderia mais aplicar nenhuma. Que eu já estava com o batimento super acelerado e tal. E eu (já tinha passado por isso tantas vezes) apenas disse, manda ver doutora. Arranque o dente. Ela cortou a gengiva em cruz. Dois talhos laterais e outros dois na direção de cada dente que o cercava. Fez uso de duas ferramentas que parecem pequenos pés-de-cabra. E começou a forçar o dente para cima (era um molar inferior). E nada acontecia. A raiz era super grande e profunda (vimos na radiografia).

Sei que o tempo foi passando e finalmente o dente começou a sair. Fez uns barulhos estranhos na minha cabeça. E começou a doer também. Mas eu tinha que suportar. Ela foi intercalando os pés-de-cabra com um alicate da ponta entortada. E a dor latejava. Até que saiu uma boa parte do dente, o sangue jorrou. E quando ela deu a puxada final, o alicate chegou a bater nos dentes superiores. Eu estava quase tendo um colapso de tanta dor.

O dente saiu. Ela me mostrou o desgraçado. E eu apenas olhei pra ele e pensei " Ta aí o que você queria. Foi-se".

O pós foi terrível, muito pior do que o processo da extração. Passei o dia com gelo no rosto, tomando antibióticos, antinflamatórios e analgésicos (sem poder tomar uma única dose de qualquer bebida). Não conseguia andar, falar, nem mesmo abrir totalmente a boca. Passei o dia inteiro sem comer absolutamente nada. Fiquei deitado de lado, sem me mover (levantando apenas para trocar o gelo e tomar os comprimidos). Isso foi se repetindo por três dias. Quando comecei a melhorar, estava destruído. Parecia que eu tinha saído de uma guerra. Tipo um morto vivo.

Tudo passou. Hoje, duas semanas depois, apenas sinto pontadas (devido a calcificação. Acho eu). Ainda está super sensível. Quando bebo algo gelado, sinto dores agudas. Mas, no geral, me saí bem. Estou recuperado. E estou curtindo o espaço que ficou entre meus dentes. E feliz por ter mandado aquele maldito pro inferno.

Quanto as cobras, vou jogar no bicho (cercando o milhar para ter mais chances).