quarta-feira, 10 de julho de 2013

" O Cinza da Solidão"




Este post é quase uma continuação do " A arte de Cuspir"
Bem, na mesma feira do livro, depois que comprei alguns, fiquei andando pelos "stands"  e como sempre, fui visitar o da editora Thesaurus, a  gráfica e editora onde trabalhei (meu primeiro emprego). Chegando lá, me deparei com uma figura, de jaleco, com um livro na mão. Era alguém conhecido. Quando cheguei mais perto, vi que era um antigo amigo meu, o Marco Polo.  Escritor ( romancista e poeta) que conheci  numa época muito decisiva da minha vida. Época que arranjei meu primeiro emprego, que decidi me formar em Artes, que me tornei um profissional das artes gráficas...
Marco, um cara que , por si só, já me faz feliz  por vê-lo. Pois me leva à uma época de minha formação como profissional e pessoa, que me orgulho muito.
Lá pelos anos noventa, eu (depois de uma briga com meu pai) decidi que viveria por conta própria, que não dependeria de mais ninguém para seguir meu caminho. Que do mínimo eu tiraria o máximo. E o que chegasse até mim, seria meu lucro, independente do que fosse. Eu saí  de casa, numa manhã, com alguns desenhos em uma pasta de elástico, andei até o setor gráfico e saí entrando de gráfica em gráfica me oferecendo para qualquer tipo de trabalho. Só recebi  "não" porque não sabia fazer nada além de desenhar. Mas, quando pensei em desistir, tive um fôlego a mais e entrei na última gráfica que encontrei. Ela ficava no fim do SIG (Setor de Indústrias Gráficas). Era um prédio ainda em construção, tinha apenas uma placa na entrada, já bem surrada. Ficava próxima ao matagal que hoje é o Sudoeste. Entrei lá e falei para a secretária que queria falar com o dono, me encaminhou para um senhor, português, com cabelos brancos, óculos fundo de garrafa, cigarro com as cinzas expostas, usando suspensório e gordo. Ele me recebeu, olhou meus desenhos e perguntou: " Tu sabes fazer arte-final? ". Eu pensei: "Arte tem haver com desenho. E disse  - Claro que sei". " Estamos precisando de um arte-finalista aqui". Disse ele. E eu sem pestanejar já mandei:  " Então, acharam". Ele me empregou. Me deu meu primeiro emprego ( e um imenso desafio). Mas esta é uma outra história. Depois volto nela.
Bom, eu estava trabalhando na Thesausus. Já tinha feito um curso de ilustração publicitária e design gráfico no SENAI. Lá eu conheci meu amigo Mafral. Um grande artista que na época tinha chegado de Minas Gerais. Tinha um visual pós punk e era muito bom no desenho. Eu trabalhava como arte-finalista e ilustrador na Thesaurus. E em uma tarde aparece um cara com olhar de louco, assanhado com calças folgadas e falando como se me conhecesse a anos. O nome dele era Marco Polo. Entrou na editora como digitador. Mas virou um tipo de faz tudo ( como todos que lá passaram). Ele escrevia livros de poesia e romance. Xerocava e vendia nos bares da cidade. Ficamos logo amigos.
Dando uma boa resumida:  eu, Mafral e Marco Polo, nos tornamos grandes amigos. Éramos jovens vivendo de sonhos. Tínhamos metas e muita energia. E tudo era um grande sonho nas nossas vidas. Eu queria entrar na UNB e me formar em artes, o Mafral entrou numa onda de ser vampiro e cortou as unhas pontudas, usava lentes e se vestia de preto. O Marco queria publicar seu livro de romance e ser uma escritor conhecido.
Nosso dia-a-dia era aquela perrengue total. Não tínhamos grana, não tínhamos mulheres, não tínhamos porra nenhuma. Mas éramos felizes e cheio de sonhos. Várias vezes saíamos da editora e ficávamos andando no parque da cidade para passar o tempo ( o SIG é ao lado do parque). Conversávamos muito sobre arte, literatura, desenhos, quadrinhos, música etc.
Nesta época o Marco me apareceu com o livro dele. Um romance chamado "O Cinza da Solidão". Era um livro montado a mão (xerox). Onde ele relatava o dia-a-dia daquela época. Criou personagens que na verdade eram autobiográficos. Se baseou em pessoas reais que conviviam com ele na época. Eu vi o livro e nós trocamos ideia de como seria melhor ele montar uma boneca (tipo de montagem de livro. Linguagem gráfica) para que aproveitasse melhor o papel e economizasse no xerox. Achei o livro muito legal. Já tinha lido seus poemas, mas gostei muito do romance.
Então. Os anos passaram. E eu rê-encontrei meu amigo na feira do livro. Quando cheguei perto ele me reconheceu. E ficamos muito felizes pelo rê-encontro. Poxa, é muito bom, rê-encontrar pessoas que fizeram parte da sua história. Tanta gente sem caráter e talento que te pisa e some na vida. Enquanto outros, possuem objetivos tão nobres e artísticos e que , mesmo com o passar do tempo, continuam firmes nas suas ideologias. Estes são os caras que eu admiro e me orgulho de conviver. Ele me passou um livro e foi logo dizendo: " Lembra deste livro? É nossa história. Você faz parte disso". 



Claro que me emocionei, pois, você ler um livro que gosta é uma coisa. Agora,  você fazer parte (de alguma forma) de um deles. É algo indescritível.  Ele fez questão de dedicar e me dar de presente seu livro: " O Cinza da Solidão". Que agora não era mais xerox. Era impresso e editado. Na segunda edição. Fiquei super ultra feliz. E este tipo de acontecimento me dá a certeza de que as verdadeiras pessoas, os seres que realmente estão aqui para fazer a diferença, estão no "Underground". Estão no anonimato. Lutando. Engolindo poeira e sapos. Se entregando por seus sonhos. Mesmo que isso não resulte em porra nenhuma.  Vamos todos morrer, lógico. Mas acredito que este tipo de história deva ficar na mente de alguém como uma pequena semente. Algo que germine e se torne uma grande criação. Algo que venha a mudar a maneira de pensar de algumas pessoas que ainda se entregam a banalidades do sistema.  Viva para realizar seu sonhos. Logo logo seremos apenas pó.